sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

FAUZI ARAP: "NADA OBSCURO PERMANECERÁ OCULTO".


    FAUZI ARAP: COMPLETO HOMEM DE TEATRO (1938-2013)

         Em minha adolescência eu curtia Gal Costa, que ouvia desde os tempos da Tropicália. A voz de Gal com a guitarra de Lany Gordin e banda, a direção de Waly "Sailormoon" - GAL FA-TAL sanava todas as dores da época - que não eram poucas e muitas vindas das ações da ditadura. Através de meu amigo Zeno Wilde, que assistiu não sei quantas, mas muitas vezes "Rosa dos Ventos" pela primeira vez ouvi o nome de Fauzi Arap. Parecia hipnose. Transformou Maria Bethânia em uma força mágica mais poderosa do que qualquer outra daquela época, girando contra todas outras.

          Zeno era subgerente do Banco do Estado de Mato Grosso e aluno da EAD/USP e ás vezes,eu o acompanhava, assistia aulas como ouvinte, provas com montagens de peças, era a época do "Pessoal do Victor", grupo da geração, que Zeno pertencia, mas rebelde e solitário descolou-se porque sonhava e lutava para viver de sua própria dramaturgia. Para ele, Arap já era um mito a ser reverenciado e alcançado.


NO TEATRO TREZE DE MAIO, PANO DE BOCA

                Na década de 70, o teatro Oficina origem artística de Arap, depois de tantas perseguições pelos CCC's, OBAN e outros, estava desativado. Zé Celso, fora do Brasil. Muitos amigos nos presídios da ditadura. O ator e produtor Benê Mendes, movimentava a cena do Bixiga, com o teatro 13 de Maio, na rua com o mesmo nome e onde depois virou o "Piu-Piu", que já era área de resistência da classe teatral e insistia em manter-se produzindo peças e shows como os Dzi Croquetes, o retorno de Jorge Mautner à São Paulo, depois de uma temporada impactante na Sala do Meio do Ruth Escobar, ali perto, o lançamento em São Paulo de Edy Star e a explosão de público, que foi o lançamento dos Secos e Molhados. Consolidava-se ali, uma sucursal paulistana da off-broadway. Depois surgiriam outras offs de offs... 

       ANTRO DE MALDITOS


         Com algum financiamento do banco onde trabalhava, Zeno entrou no negócio de produções artísticas. Juntou-se à Benê Mendes, dono do teatro, João Tadeu seu produtor e eu como auxiliar de produção. Todos faziam de tudo: montagem de palco, divulgação, assessoria de imprensa, distribuição de panfletos, venda de ingressos, offices-boys, faxina, luz, água, cafézinhos... Aqueles espetáculos, peças e shows tinham de acontecer de qualquer forma. Tínhamos de destampar o caldeirão e sair do sufoco. Produzimos shows de Jards Macalé, Odair Cabeça de Poeta e o grupo CAPOTE com Osvaldinho no acordeon, Papa Poluição, Tom Zé, Alvaro Guimarães e algumas sessões malditas com Moto Perpétuo, Made in Brasil  outras bandas e malditos. Até que Zeno, conseguiu produção para sua primeira peça "Daniel, Daniel, Meu Século". Queria que Fauzi Arap dirigisse. Não conseguiu, Quem dirigiu, foi Emílio Fontana. E, Zeno consegue que a "loira" Cecília parceira e discípula-mestre de Flávio Império assuma a cenografia de sua peça. A peça fica pouco tempo em cartaz, devido ao fracasso de público, não conseguiu se manter, mas começa uma nova ligação com Fauzi Arap, que foi assistir e passou a frequentar o teatro 13 de Maio.

         Fez sua estréia como autor, com PANO DE BOCA. Em cena a atriz Célia Helena, Nuno Leal Maia, Benê Mendes e Flávio Império fez o cenário - Zeno abandonou o banco onde trabalhava, encerrou o curso da EAD e assumiu a direção de produção. Passava a conviver de perto com o mestre. Eu auxiliava vendendo ingressos para escolas, junto com Sandra, casada com Zeno. Íamos às faculdades, montávamos uma banca. Tínhamos que negociar com as direções das escolas para fazer isso. Ás vezes, os estudantes dos grêmios e diretórios nos auxiliavam. Na ECA/USP, onde hoje é a "prainha", passávamos o dia inteiro. Conheci o Jairo Ferreira, o crítico e diretor cinema. Sempre havia uma tensão, nessa época, devido aos agentes infiltrados da repressão.


SACRALIZAVA O ATOR COM A MAGIA DOS PALCOS


          Fauzi formava grupos de estudos, que pesquisavam astrologia, Helena Blavatsky, ciências ocultas, Jung. Aplicava esses conhecimentos esotéricos em seu trabalho artístico. Dirigia como um mago prepara sua magia. 

          O país foi mudando. O Bexiga já estava virando lenda. O Oficina voltava à ativa. Com montagens de O Processo de Kafka, com o Pessoal do Victor, Ornitorrinco ocupava o porão, Chico Buarque e Paulo Pontes montaram "A Gota D'Água", a ditadura começava a ruir. Fui fazer a iluminação alternando como auxiliar de produção de João Tadeu no Teatro da Praça, na Rua Apa para os shows Negros Blues com a dupla Jorge Mautner e Nelson Jacobina, antecipando o boom de duplas sertanejas e o lançamento de Coração Tranquilo de Walter Franco. Fauzi também frequentava lá. Dessa vez, Walter, que também é ator queria que Fauzi Arap, o dirigisse. Sempre que ia lá, recebíamos com reverência espiritual. O engraçado, é que Fauzi achava o trabalho de Walter Franco muito esotérico e difícil, dizia que deveria se popularizar e citava como exemplo, Luis Gonzaga Jr., que na época fazia sucesso por ter sua música Feijão Maravilha, na trilha de uma novela.


        Não sei se depois fez algum trabalho com Walter Franco. De Zeno Wilde, dirigiu a premiada e reconhecida "UMA LIÇÃO LONGE DEMAIS" numa verdadeira lição da arte de representar dada pela atriz Gabriela Rabelo. Fauzi já estava firmado também como dos nossos maiores diretor de atores.


     A última vez, que o vi, já tem um tempo estava com Eliana Floriano, no Arena onde não me lembro por qual motivo, precisávamos falar com Zeno, que ali estaria em uma reunião da Associação dos Dramaturgos. Zeno não estava quem nos atendeu foi Fauzi Arap, com certo mau humor e antipatia, por nossa interrupção da reunião informou-nos, que Zeno não estava naquela reunião. Parecia que para Fauzi Arap tudo era sagrado e que com nossa urgência estávamos profanando aquele templo. 

        Foi o mais completo homem de teatro de sua época. Discreto, misterioso, competente, bem humorado, participativo sem ser panfletário, rigoroso em seu trabalho. O tempo ajudará a desvendar sua obra, afinal, como ouvi dizê-lo certa vez : nada obscuro permanecerá oculto. THAELMAN CARLOS. 06.12.2013.

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